terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A violência é tão fascinante

Preso pai acusado de matar a filha para não pagar pensão. Filho é acusado de matar a mãe e diz que foi sem querer. Preso acusado de molestar 14 crianças sexualmente. Mulher morre em assalto. Jovem é encontrado morto na periferia. Criança fica em estado grave após ser atingida por bala perdida. Onda de assaltos assusta bairro. Não importa o local, no Brasil, diariamente, nos acostumamos a ver esse tipo de notícia como parte do dia a dia alheio, quase uma ficção que alimenta um certo gosto sádico pelo sofrimento dos outros, desde que distante da porta da nossa casa. Histórias tristes que nos fazem lançar um comentário na hora do jantar e pronto, em seguida são deglutidas e esquecidas. E os culpados por tudo isso? O governo, a pobreza, as drogas. Sempre os outros. Mas será que essa mistura de curiosidade com indiferença que envolve cada um de nós não contribui para que esse tipo de acontecimento continue se repetindo infinitamente, parecendo que não existe solução mesmo, que vamos ter de conviver com isso para sempre e pronto?

Mais do que isso: nosso olhar repleto de preconceito, que teme um estranho só por causa da cor da pele, ou pelo modo de se vestir, ou mesmo por uma tatuagem no braço, ou por um cabelo mais desgrenhado, por mais que se negue isso no Brasil, acaba por reforçar, diariamente, a sensação de uma guerra fria, vivida entre os “cidadãos legítimos” e os outros. Relato de um jovem africano que vive aqui no Ceará, ilustrado na última segunda-feira (22) no O POVO, em reportagem de Janaína Braz, demonstra que esse tipo de sentimento, que enfatiza a diferença estigmatizante, está mais vivo do que nunca na nossa sociedade, e é extremamente maléfico – só por ser negro, o rapaz foi apontado como assaltante, sofreu diversas abordagens policiais sem qualquer indício, o que o fez perceber pela primeira vez na vida que era diferente. 

Mas como mudar isso, se a violência não é apenas ficção, existe mesmo e pode ser fatal? O único jeito é de fato criar coragem para romper esse círculo vicioso. Sair do autoexílio confortável onde nos isolamos e passar a nos relacionar com a cidade, com o outro, com o estranho, desarmados, sem medo, de igual para igual. Lógico que só a cara e a coragem não mudam nada, mas a partir do momento em que cada um deixar a segurança artificial de seu lar para encarar a vida de frente, haverá cobranças bem mais contundentes para que se invista mesmo em políticas públicas de inserção social, de combate à desigualdade, de repúdio ao preconceito, de melhoria dos serviços públicos básicos, como educação e saúde. Por enquanto, com a classe média apenas fingindo que se preocupa com essas coisas, mas satisfeita com seu plano de saúde, com sua escola particular e a segurança privada na porta, todas as cobranças ficam apenas no discurso fácil, eleitoreiro. A mudança real deve começar por uma mudança de mentalidade e de comportamento de cada um de nós.

Salário nosso de cada dia

Professores do Ceará, que têm graduação e a responsabilidade de formar o futuro da nação, brigam por um piso salarial de pouco menos de R$ 1.200, o que em si é algo inacreditável num país onde os impostos comem quase todos os proventos, além dos serviços privados que somos obrigados a pagar pela ineficiência do Estado (a própria escola é um deles). Enquanto isso, do outro lado do balcão, um único servidor público, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), ganhava até agora sozinho R$ 48 mil por mês. Quarenta vezes mais que o piso pretendido pelos professores. E o mais engraçado é que só depois desse supersalário vir à tona, em denúncia feita pelo deputado Heitor Férrer (PDT) e nas páginas do O POVO, é que o Estado percebeu que este pagamento é inconstitucional – sem contar a imoralidade diante das imensas desigualdades que existem no Ceará.

Pois é, Francisco Aguiar terá de escolher entre o salário de conselheiro e a aposentadoria de ex-governador garantida depois de apenas 83 dias no cargo, em 1994 – em substituição a Ciro Gomes, quando este virou ministro da Fazenda. De qualquer jeito, não ficará com um salário baixo. Ainda cairão na sua conta R$ 24 mil todo mês, 20 vezes mais do que pedem dignamente os professores do Estado. Distorção gritante, mas apenas uma entre tantas que existem não só no Ceará, mas no Brasil como um todo. Como estamos distantes de uma sociedade justa e igualitária...

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