quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Einstein: de Sobral para o mundo

Einstein: de Sobral para o mundo

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Edições UVA, 2003
Por Rodrigo Cunha
No dia 10 de novembro de 1919, deu no New York Times: “A teoria de Einstein triunfa”! Esse seria o primeiro artigo publicado nos Estados Unidos após a confirmação oficial da teoria da relatividade em uma seção conjunta da Royal Society e da Royal Astronomical Society, no Reino Unido. EmEinstein: de Sobral para o mundo, o físico e astrônomo Ronaldo Mourão faz um resgate histórico bem documentado do papel de uma cidade do sertão do Ceará na mundialização da figura desse célebre cientista. A Sobral do título do livro de Mourão recebeu uma das expedições científicas inglesas destinadas a comprovar, através da observação do eclipse de 1919, um efeito previsto na teoria da relatividade: o desvio da luz ao passar por um intenso campo de gravitação como o do sol. Passaram-se mais de 14 anos entre a publicação do primeiro trabalho do físico alemão Albert Einstein sobre a teoria da relatividade restrita e seu suposto “triunfo”, que o transformou em uma celebridade mundial tão popular quanto políticos e estrelas de cinema.
Em 2005, comemora-se o centenário daquele que ficou conhecido como o annus mirabilis (ano extraordinário) da carreira científica de Einstein – então um mero funcionário do Departamento Oficial de Patentes de Berna, na Suíça, que havia tido o pedido de emprego como professor assistente negado pelo Instituto Politécnico de Zurique. Em 1905, ele publicou uma série de ensaios científicos de grande impacto na física teórica (leia reportagem sobre o assunto), entre os quais o artigo “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”, em que Einstein formula suas primeiras idéias acerca da teoria da relatividade restrita. Em 1907, ano em que foi admitido como professor de física na Universidade de Berna, ele sugere o desvio da luz como uma das conseqüências dessa teoria, e quatro anos depois, já lecionando na Universidade de Zurique, calculou que esse desvio de um raio luminoso nas proximidades do sol seria de 0,875 segundo de arco (unidade de medida de um ângulo muito pequeno).
Em Einstein: de Sobral para o mundo, Mourão, além de apresentar dados cronológicos como esses da vida do físico alemão – e também da vida do astrônomo inglês Arthur Eddington, idealizador das expedições de 1919 e o responsável pela fama do autor da teoria da relatividade, segundo o físico Ernest Rutherford – faz, ainda, um breve histórico sobre as especulações teóricas acerca daquilo que os cientistas chamam de “deflexão” (ou desvio) da luz e sobre diversas expedições anteriores e posteriores à de Sobral destinadas a comprovar teorias cosmológicas através da observação de eclipses. Segundo Mourão, o astrônomo e reverendo inglês John Mitchell já havia deduzido, em 1783, que a luz devia ser atraída pelo campo gravitacional de um astro e, em 1803, o astrônomo alemão Johann Von Soldner já estimara o desvio da luz em 0,875 segundo de arco, valor compatível com a teoria gravitacional de Isaac Newton.
Mas somente em 1915, Einstein descobriu que um dos princípios de sua teoria da relatividade (o de equivalência geral) exigia uma modificação da lei de gravitação newtoniana. Refazendo, então, os cálculos do desvio, chegou ao dobro do valor anterior: 1,75 segundos de arco. Mourão se arrisca a afirmar em seu livro que se uma das expedições anteriores à de Sobral – e à revisão dos cálculos de Einstein – não tivesse malogrado devido ao mau tempo ou às intercorrências ligadas à Primeira Guerra Mundial, a primeira previsão de Einstein poderia ter sido dada como errônea e a teoria da relatividade talvez sofresse um descrédito irremediável. Como diz Mourão, “a história tem seus caprichos”.
Os estudiosos de sociologia da ciência Harry Collins e Trevor Pinch, porém, consideram que os resultados das expedições inglesas de 1919 – para Sobral, no Nordeste do Brasil, e ilha do Príncipe, na costa leste da África – não eram conclusivos a favor da teoria de Einstein e contra a teoria de Newton. Os pesquisadores britânicos teriam descartado alguns resultados que seriam mais próximos do previsto na gravitação newtoniana, alegando problemas técnicos nos equipamentos que fizeram esses registros. Mesmo que os dados fossem imprecisos e os resultados discutíveis, o fato é que o episódio se tornou um acontecimento de destaque na mídia e impulsionou a fama de Einstein pelo mundo afora.
O ponto forte de Einstein: de Sobral para o mundo, aliás, está nos apêndices, que ocupam praticamente a metade do livro e documentam o início dessa popularização. Neles, Mourão apresenta sua própria tradução do comunicado com os resultados da comissão inglesa, lido na seção conjunta do dia 6 de novembro de 1919 – o qual menciona os dados descartados –, e das reportagens publicadas no Times, de Londres, no dia 7, e no New York Times, de Nova Iorque, no dia 10 do mesmo mês, repercutindo a suposta confirmação da teoria da relatividade. De acordo com o físico Abraham Pais, autor da biografia de Einstein intitulada "Sutil é o senhor...", essa matéria de 10 de novembro de 1919 foi a primeira referência a Einstein na imprensa dos Estados Unidos.
Os apêndices do livro de Mourão contam, ainda, com o texto da conferência proferida por Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional e anfitrião dos pesquisadores britânicos em Sobral, sobre os resultados da expedição brasileira – que teve como objetivo estudar a estrutura da coroa solar; o minucioso diário de Morize, desde a partida até a volta ao Rio de Janeiro; sua caderneta de observação; e o discurso em sua homenagem, na comemoração de seus 25 anos de casado com a cearense Rosina, três dias antes do eclipse. (Uma revisão mais cuidadosa do livro teria evitado alguns erros como a troca do nome do autor do discurso e do jornal sobralense que fez a primeira referência explícita à teoria de Einstein na imprensa das Américas).
Vista panorâmica do observatório em Sobral
Grande parte desse material reproduzido nos apêndices também está nas 70 páginas de registro iconográfico do livro de Mourão, que tem ainda fotos do Observatório de Sobral e das bodas de prata de Morize, além de um mapa do eclipse feito pelo calculador da expedição brasileira. Apesar de o autor de Einstein: de Sobral para o mundo ter escrito dezenas de livros de divulgação científica e ter recebido em 1978 o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, algumas partes dessa obra publicada pelas Edições UVA podem “assustar” um leigo que se interesse pelo assunto, com informações técnicas que apenas um astrônomo ou um físico poderia entender.
Mas o livro tem também duas preciosidades que podem interessar aos estudiosos da história da divulgação científica e da história da ciência no Brasil: o manuscrito do artigo que os astrônomos ingleses escreveram para o jornal Correio da Semana, de Sobral, e que foi publicado uma semana antes do eclipse, com tradução de Leocádio Araújo; e o primeiro artigo sobre a teoria de Einstein publicado no Brasil após a confirmação em Londres, assinado pelo matemático Manuel Amoroso Costa, que segundo Mourão, foi, ao lado dos matemáticos Roberto Marinho e Ignácio Amaral, um dos principais pesquisadores brasileiros a divulgar a teoria de Einstein no país e a enfrentar as críticas a ela nas reuniões da Sociedade Brasileira de Sciencia (atual Academia Brasileira de Ciências).






Disponível em:http://www.comciencia.br/resenhas/2005/03/resenha1.htm

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