terça-feira, 4 de setembro de 2012

Terra dos sonhos: o território estrangeiro para onde viajamos toda noite

Podemos tingir os cabelos brancos e usar Botox para as rugas, mas nunca dormiremos como quando jovens. Isto é, não sem sermos acometidos por uma doença grave ou sofrermos um poderoso baque no cérebro.
 Terra dos sonhos: o território estrangeiro para onde viajamos toda noite

Podemos tingir os cabelos brancos e usar Botox para as rugas, mas nunca dormiremos como quando jovens. Isto é, não sem sermos acometidos por uma doença grave ou sofrermos um poderoso baque no cérebro. Um dos muitos fatos subestimados que David K. Randall apresenta em "Dreamland: Adventures in the Strange Science of Sleep" ("terra dos sonhos: aventuras na estranha ciência do sono"), um passeio pelo assunto que segue um ritmo perfeito, é o de que os adultos são insones porque a natureza os fez assim.
O sono é um comportamento sofisticado, assim como caminhar e pensar, com seu próprio conjunto de normas relacionadas à idade, repleto de idiossincrasias, aberrações e comportamentos absolutamente criminosos. À noite, sob uma coberta de algodão, o indivíduo tem uma personalidade e uma fisiologia bem distintas do que ao dia, vestido de gabardine. Além disso, infelizmente, o médico que cuida da versão diurna da pessoa periga, quase com certeza, não ser útil quando a versão noturna está em apuros.
Randall descobriu isso por conta própria depois de ter acordado uma noite deitado de costas no corredor de seu apartamento, depois de ter se chocado contra uma parede enquanto caminhava em estado de sonambulismo para destinos desconhecidos. Embora costume falar e dar pontapés no meio da noite, aquela ocasião foi o seu primeiro pequeno passeio inconsciente.
Foi também o último – pelo menos até o momento – mas não se deve crédito por isso aos profissionais médicos que ele consultou, que se mostraram indiferentes frente ao seu caso. Por mais que se saiba que existem 75 distúrbios do sono diferentes e um número cada vez maior de especialistas do sono, os médicos em geral sabem da existência de pílulas para dormir, e não muito mais do que isso.
Assim, Randall, repórter sênior da Reuters que também colaborou com o New York Times, embarcou em uma investigação pessoal, viajando pelos Estados Unidos para entrevistar especialistas do sono de todos os gêneros, desde os que atuam em laboratório até os que frequentam tribunais como especialistas na nova disciplina da medicina legal do sono. O resultado é um panorama divertido de um território familiar, ainda que notavelmente estrangeiro.


Todo mundo sabe que os horários de sono de um bebê não levam em conta se é dia ou noite (o termo técnico é polifásico), enquanto que o sono de um adolescente teima em ficar fora de sincronia com o mundo do trabalho. Isso não deve ser interpretado como uma opção de vida, porém: os hormônios levam os adolescentes temporariamente para um fuso horário que fica a alguns milhares de quilômetros a oeste de seus pais e professores. Atualmente, alguns distritos escolares proativos iniciam as aulas do ensino médio duas horas mais tarde do que o habitual, e já registram melhorias em índices de atenção e em avaliações.
Entre as novidades que Randall apresenta sobre o sono dos adultos em geral: as pessoas que sofrem de insônia e que são atormentadas por uma rotina de despertar às 3 da manhã podem na verdade estar dormindo de modo mais normal, em termos históricos, do que aquelas que dormem a noite toda. Antes de existir a iluminação a gás e elétrica, as pessoas costumavam dividir o sono em duas sessões equivalentes, sendo que a primeira era separada da segunda por aproximadamente uma hora, dedicada a outras atividades. Além disso, logo que os adolescentes começam a dormir mais tarde, seus pais passam a dormir mais cedo: por volta dos 65 anos, a maioria dos adultos já dorme naturalmente aproximadamente às 9 da noite e acorda de madrugada, ou até antes.
E esses são apenas os padrões saudáveis. Entre as dezenas de complicações, a mais comum é provavelmente a apneia do sono, na qual os tecidos da parte de trás da garganta sufocam periodicamente quem dorme, cujas noites, portanto, não são nada tranquilas e cujos dias, como resultado, são prejudicados. Máscaras faciais que servem para manter as vias aéreas abertas podem ajudar, assim como cirurgias.
Há também casos de sonambulismo, como o de Randall, que se acredita resultarem do despertar inoportuno de algumas partes do cérebro durante o sono. Os resultados variam do cômico ao criminoso: especialistas no novo campo da ciência forense do sono lidam com assassinatos e outros crimes cometidos de fato ou supostamente durante o sono. Esses casos estão forçando tribunais a lidarem com zonas cinzentas de consciência e intenção nunca antes consideradas.
Se o cérebro de quem está dormindo é perigoso, o cérebro do insone pode ser pior: 'Sem conseguir dormir profundamente', escreve Randall, 'o cérebro deixa de ser o nosso maior trunfo evolutivo e se torna a nossa maior fraqueza'.

Os atletas excessivamente cansados e os acadêmicos costumam prejudicar apenas a si mesmos, mas os pilotos, motoristas e soldados podem provocar desastres. Por isso, o monitor de sono de pulso deverá se tornar parte do equipamento de soldados até 2020 e, presume-se, em breve também será obrigatório que civis responsáveis pela segurança dos outros o usem.
Randall examina profundamente o campo dos sonhos: será que eles realmente oferecem símbolos para iluminar a psique reprimida? (Uma das análises identificou várias centenas de símbolos oníricos freudianos que designam órgãos e atividades sexuais.) Ou seriam os sonhos apenas os sinais eletrônicos aleatórios de um cérebro que, ao ser reiniciado, incorpora novos dados em seu banco de memória?
Nesse caso, como em tantos outros, precisamos ter compaixão pela pobre e velha mente consciente, que se esforça para compreender as longas horas de sua própria ausência. Monitores eletrônicos baratos já estão disponíveis para ajudar as pessoas que realmente querem saber o que se passa à noite quando dormem, mas as ondas e etapas que relatam podem não ser tranquilizadoras: quando se trata do sono, a percepção certamente é mais importante do que os dados. Na verdade, muitos comprimidos para dormir bastante conhecidos afetam relativamente pouco os padrões de sono, mas de alguma forma fazem com que aquele que dorme se torne menos consciente do tempo que passa acordado.
Antropólogos sugerem que no passado havia um benefício claro relacionado à sobrevivência proporcionado pelos padrões de sono da família nuclear: alguém ficava sempre acordado para lidar com os tigres que rodeavam os grupos. Os adolescentes cuidavam do primeiro turno; os pais, do segundo; os avós, das horas logo antes do amanhecer. Essa linha de raciocínio talvez ajude tanto quanto os comprimidos, quiçá ainda mais, para trazer consolo àqueles que confrontam os tigres que vagueiam pelo seu próprio pensamento durante a madrugada.

Disponível em: http://nytsyn.br.msn.com/cienciaetecnologia/terra-dos-sonhos-o-territ%C3%B3rio-estrangeiro-para-onde-viajamos-toda-noite#page=3

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