quarta-feira, 20 de maio de 2015

Viajando na Maionese!

Uma das coisas mais fascinantes na ciência é, muitas vezes, o acaso em que as grandes descobertas acontecem. Quem poderia imaginar que em experiências onde o objeto principal de estudo era maionese (emulsão de gordura em água), poderiam ser 

evidenciadas naturezas que hoje colocam em xeque a nossa compreensão do que é o espaço, o vácuo e até mesmo a nossa noção de realidade?



O vazio

Antes de começarmos, poderia perguntar-lhes: o que é vácuo? A noção comum que associamos a essa palavra é a de ausência absoluta de matéria, particularmente 
ausência de ar ou outros gases. É neste sentido que, por exemplo, empregamos
 termos tais como bomba de vácuo, deposição a vácuo ou tecnologia de vácuo. 
Termos esses que fazem parte da nossa noção cotidiana de vazio. Para 
compreender melhor essa discussão, vamos começar nossa história muito 
tempo antes dessa experiência na qual cientistas "brincavam" com maionese.

Na Grécia antiga, os filósofos já percebiam perfeitamente as complexidades conceituais envolvidas nas noções fundamentais de matéria, espaço, tempo e movimento e, 
em particular, as dificuldades teóricas com o conceito de vácuo. Para o filósofo atomista Demócrito (460-370 a.C.), o vácuo manifestava-se como intervalos que separam um 
átomo de outro átomo e um corpo de outro corpo, assegurando a sua natureza 
discreta e possibilidade de movimento. Platão (428-347 a.C.) afirmava que um corpo 
físico era apenas uma parte do espaço limitado por superfícies geométricas que contem
 o espaço vazio. O poeta e filósofo romano Lucrécio (94-55 a.C.), expõe a teoria física de Epicuro (341-270 a.C.) em seu poema didático De Rerum Natura:
"Toda a natureza então, na forma pela qual existe, é em si mesma baseada em duas 
coisas: existem os corpos e existe um vazio no qual esses corpos são colocados e 
através do qual se movem."


Contrário às definições de vazio absoluto dada por esses pensadores, estava Aristóteles
 (384-322 a.C.). Ele concebia o espaço como a soma total de todos os lugares ocupados 
pelos corpos e atribuía propriedades dinâmicas ao vácuo. Para Aristóteles, a 
velocidade de um corpo seria inversamente proporcional à densidade do meio
 em que o corpo se move. No caso de um espaço vazio, essa densidade seria nula, 
e assim, a velocidade do corpo seria infinita, Algo impossível para as concepções da 
época (e até hoje). As noções aristotélicas sobre o vácuo, a exemplo de outras, 
foram objeto de discussão e discordância de muitos pensadores a partir de então.


Em 1657, Otto von Guericke (1602-1686), filósofo natural de Magdeburgo, por meio
 de dois hemisférios ocos de cobre, uma bomba de ar e algumas parelhas de cavalos, demonstrou de modo espetacular a obtenção de uma região do espaço sem matéria. 
A ausência de ar no interior dos dois hemisférios permitia que a pressão atmosférica
 externa mantivesse-os fortemente unidos, a ponto das parelhas de cavalos não 
conseguirem separá-los. O experimento de Guericke acabava com a concepção
 medieval (aristotélica) sobre o vácuo.

Essa noção de vácuo seria mais tarde corroborada por Isaac Newton (1643-1727) 
com a definição de espaço absoluto. Na sua obra Principia Newton afirma:
"O espaço absoluto, por sua própria natureza, permanece o mesmo e imutável independentemente de quaisquer relações com quaisquer substâncias."

O conceito de vácuo sofreria uma nova modificação com os estudos do
 físico alemão Max Planck (1858-1947) sobre a radiação de um corpo negro, 
um problema teórico de grande importância na época e que levou à criação da
 Mecânica Quântica. Com a Mecânica Quântica surgiu o conceito de energia de 
ponto zero, uma energia decorrente de flutuações quânticas que não podem ser
eliminadas por nenhum processo físico. Elas permanecem mesmo em uma região 
do espaço na qual nenhuma forma de matéria ou radiação pode ser observada.
 Deste modo, nos Hemisférios de Magdeburgo o vazio completo imaginado pelos renascentistas deve ser preenchido ao menos pelas flutuações quânticas.


Tudo vibra

Você já deve ter observado a natureza vibratória ao seu redor. Ela está em toda parte,
 desde o bater da asas de um beija flor até as cordas de um violão, passando pelos mais variados dispositivos mecânicos, eletromagnéticos e eletromecânicos que o homem
 criou. Mas até mesmo no mundo microscópico as vibrações estão presentes.
 E a melhor forma de compreendermos essas vibrações é através dos Osciladores 
Harmônicos Simples (OHS).

Um OHS pode ser representado por uma mola, onde uma de suas extremidades é fixa e a outra está presa a um bloco. Se não houver atrito entre esse bloco e a superfície ao 
qual o sistema está apoiado, ao deslocarmos o bloco da sua posição de equilíbrio
 (posição em que a mola está completamente relaxada), a mola o puxará de volta
para essa posição (através de uma força restauradora, proporcional ao esticamento ou encurtamento da mola e na direção da posição de equilíbrio - A Lei de HooKe).
 Porém, por inércia esse bloco passará da posição de equilíbrio,
 e será novamente forçado a voltar a esse ponto. O efeito acontece novamente e sucessivamente, ficando o bloco eternamente nesse movimento de oscilação, 
com uma frequência que depende da massa e da elasticidade da mola.

A energia desse sistema pode ter valores que variam desde zero 
(amplitude de oscilação nula) até um valor máximo, dado pelo momento no
 qual a mola deixa de obedecer a Lei de Hooke. Assim, a energia do OHS,
 que nesse caso é explicada pelas leis clássicas da mecânica, pode assumir
 qualquer valor, a partir de zero, continuamente.

Entretanto, as leis da Mecânica Clássica não são capazes de interpretar a natureza
 vibratória dos átomos e partículas subatômicas, que também possuem estados de
 equilíbrio e frequência de oscilação. Para esses casos, são utilizadas as leis da Mecânica Quântica. Com isso, novas propriedades, que muitas vezes fogem do nosso senso comum, 
são observadas.

Ao contrário do que acontece com um OHS clássico, a energia de um oscilador na 
Mecânica Quântica só pode ter certos valores bem definidos, sem possibilidade de
 ocorrerem valores intermediários. Isto é, os valores permitidos formam um espectro 
discreto (ou quantizado, como se diz muitas vezes) de energia. Os valores possíveis da energia do OHS quântico são dados pela equação:

Onde: n pode assumir qualquer valor inteiro positivo, n é a frequência de oscilação e h
 é a constante de Planck. O fato mais importante para nossa discussão é que o oscilador quântico nunca pode ser encontrado num estado em que a energia seja nula. O nível de energia mais baixo do oscilador (n = 0) tem energia igual a 1/2hn. Essa energia mínima 
é conhecida como energia de ponto zero e é a responsável por essas tais flutuações
 quânticas do vácuo.




Cheio de nada

Foi justamente utilizando essas propriedades de OHS quânticos, que em 1926 os físicos: 
Max Born (1882- 1970), Werner Heisenberg (1901-1976) e Pascual Jordan (1902-1980) "quantizaram" o campo eletromagnético. Nesta teoria, o vácuo perfeito, sem nenhum
 campo eletromagnético (ou qualquer tipo de matéria), deve ser visto não como um
 espaço absolutamente vazio, mas como um espaço no qual pequenas e rápidas
 flutuações ocorrem a todo momento e em toda parte. Esse campo eletromagnético, 
que agora é quântico, pode ser interpretado como uma coleção de OHS quânticos,
 vibrando em frequências bem definidas e em determinado estados de energias.

O número dos níveis representa quantidades que formam a onda. Na Mecânica Quântica, essas quantidades costumam ser chamadas de quanta (plural de quantum). O quantum de campo eletromagnético é chamado de fóton. Quando todos os fótons são retirados do meio, atingimos o chamado vácuo eletromagnético, porém com energia diferente de zero. Essa energia é dada pela soma das energias de ponto zero de todas as frequências possíveis de oscilação do campo. Normalmente, esta energia não tem nenhum efeito sobre os fenômenos que observamos e podemos ignorá-la. Porém, o efeito Casimir é um dos fenômenos excepcionais, talvez o mais notável, no qual ela se manifesta.

Como vimos, em 1657 Otto von Guericke, realizou a experimento que por meio de dois hemisférios de cobre ocos, uma bomba de ar e algumas parelhas de cavalos mudaram a 
noção medieval de vácuo, herdada do filósofo grego Aristóteles, de que a existência do 
vazio completo era uma impossibilidade. A Física Quântica, entretanto, parece indicar 
que o grande Aristóteles, apesar de imbuído de muitas noções errôneas do seu tempo,
 estava no caminho certo.

O "efeito maionese"

Em 1948 o físico Holandês Hendrik Casimir dos Laboratórios de Pesquisa Philips tentava entender porque a maionese se movia tão lentamente. Isso mesmo. Cientistas estavam preocupados com o movimento das partículas na forma de finos glóbulos (no caso gordura)
 no seio da água, ou seja, uma emulsão.

Essa intrigante observação, além de outras experiências realizadas com suspensões 
de pó de quartzo, levaram os cientistas da época a suspeitar que a as teorias que 
explicavam as interações entre partículas neutras poderiam não estar inteiramente
 corretas. Casimir começou a reconsiderar a então conhecida interação de van der Waals,
 e encontrou uma maneira diferente e notável de encarar o problema. Essas interações 
entre as partículas de maionese poderiam ser calculadas de uma outra forma, 
recorrendo-se às chamadas oscilações quânticas do vácuo eletromagnético. 
Mais tarde essa interação veio a ser conhecida como força de Casimir.

Mas como funciona essa força?

Como vimos na sessão anterior, segundo a teoria quântica do eletromagnetismo, 
o vácuo é composto por flutuações decorrentes da soma das energias de ponto zero 
de todas as frequências possíveis. Se considerarmos todo o espaço de frequências essa energia será infinita. Entretanto, o que o Efeito Casimir mostra é que se, por exemplo,
 duas placas paralelas, eletricamente neutras, forem colocadas nesse espaço, haverá 
uma mudança no valor dessa energia entre as placas. Isso ocorre porque quando o 
campo eletromagnético quantizado é confinado, suas oscilações, inclusive as do ponto
 zero, devem satisfazer a certas condições sobre as superfícies que determinam a região 
do confinamento. Essas condições são chamadas de condições de contorno ou de 
fronteira e restringem as possíveis frequências de oscilação.


Um efeito semelhante acontece com as cordas de um violão. Se ela fosse infinita sem extremidades fixas, quaisquer frequências poderiam ser emitidas. Mas como isso não é verdade, somente algumas delas são permitidas e portanto somente algumas notas 
musicais são possíveis.

O efeito Casimir é, portanto, resultado da alteração do espectro de frequências de 
vibração do campo eletromagnético, em razão da imposição de condições de contorno exigidas, por exemplo, pela presença de placas metálicas. Essas condições alteram as flutuações na região interior as placas, resultando numa pressão menor do que a 
pressão de todo o espaço restante, fazendo com que as placas se atraiam. 
O mais interessante nisso tudo é que a força de Casimir é uma manifestação 
macroscópica das propriedades microscópicas do vácuo quântico.

São efeitos como este, observados no vácuo, que nos levam a imaginar algo 
absolutamente surpreendente e até mesmo possível. Uma vez dominados os
 efeitos da força de Casimir, seria ela a principal personagem numa viagem espacial,
 já que essas flutuações quânticas poderiam ser usadas como "combustível" 
para supostas espaçonaves. É de deixar qualquer escritor de ficção científica com inveja, 
não?

É amigo... Quem diria que uma simples emulsão de gordura em óleo nos faria sonhar com viagens intergalácticas. Esse é o maravilhoso mundo da ciência!



Referências:


Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 22, no. 1, Março, 2000.
http://en.wikipedia.org/wiki/Casimir_effect
http://pt.wikipedia.org/wiki/Emuls%C3%A3o




Fonte:    http://newtoneamaca.blogspot.com.br/2010/01/viajando-na-maionese.html

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